terça-feira, 18 de novembro de 2008

Texto Profª DrªMaria Luiza R. Meijome Piszezman




Terapia Familiar Sistêmica Breve: Uma nova abordagem em instituições.


INTRODUÇÃO

O que propomos no presente trabalho deriva da observação, que realizamos há vários anos, como profissional da área de psicologia clínica na qualidade de terapeuta, de docente e de supervisora de estágio. Constatamos ao longo desse processo que Instituições das mais diversas áreas de atuação, notadamente aquelas mantidas pelo poder público ou por sociedades de caráter beneficente, tais como Posto de Saúde, Hospital Público, Forum, Creche, Asilos, Escola, e outros, se vêem às voltas com dificuldades adicionais ao desempenho de suas atividades por conta dos problemas relacionados ao campo da saúde mental. As dificuldades dessas instituições residem na diversidade e complexidade das queixas trazidas pelas comunidades. A esses fatores se junta um outro, da maior relevância, que é o excesso de demanda. Os atuais modelos de atendimento não têm se mostrado eficazes na superação de todas essas variáveis.
Quando dispõem de um serviço de atendimento psicológico, o procedimento habitual implica na realização de avaliação psicológica e posterior encaminhamento aos atendimentos específicos, tais como terapia individual ou de grupo, ou ainda a especialidades médicas como psiquiatria, neurologia, endocrinologia, entre outros. Quando, enfim, recebe o encaminhamento, para uma determinada área, o cliente vê-se na contingência de esperar, novamente, por uma vaga. No caso de ser encaminhado para atendimento psicológico, se, por um lado, o interessado já passa por um processo de espera nos centros de triagem, por outro, a limitação de vagas articulada com a psicoterapia baseada apenas no intrapsíquico e de longa duração, fazem com que a demora seja ainda maior, redundando, muitas vezes, em desistência quanto a obter o tratamento.
Outro empecilho importante no campo da saúde mental é a desconfiança com que os serviços psicológicos são vistos pelas pessoas. Por exemplo, quando uma escola detecta um distúrbio de aprendizagem ou de comportamento, cuja solução está fora do alcance da ação pedagógica, entrevista um dos responsáveis, geralmente a mãe, que, a princípio, procura ocultar distúrbios no relacionamento familiar, mas quando fica mais descontraída, revela algum problema doméstico, como um pai alcoolista ou desavenças constantes entre o casal. Nesses casos a prática é a escola solicitar à família que encaminhe seu filho para uma avaliação com um psicólogo, pois está interessada na solução do problema específico de sua área de atuação. Muitas vezes, isto esbarra na resistência da família quanto a procurar ajuda, sendo as alegações mais típicas dos pais o temor de que seus filhos venham a ser estigmatizados pela comunidade; a de que a criança possa ‘piorar’ e eles passem a encontrar dificuldades no relacionamento com o filho, e a de serem culpabilizados pelas atitudes inadequadas da criança.
Nossas considerações têm como ponto de partida a natureza dos procedimentos habituais dos serviços de psicologia, pois eles contribuem para essa resistência das famílias e para uma perda na eficácia e permanência dos possíveis avanços alcançados pela psicoterapia.

a. A resistência das famílias
O atendimento individualizado faz com que as famílias, muitas vezes encontrem dificuldades em lidar com aquele membro que teve seu comportamento modificado pela psicoterapia, e “boicota” ou interrompe o tratamento.

b. O Retrocesso
O retrocesso se dá pelo mesmo motivo citado no item anterior, ou seja, os demais membros da família, que não passaram pela ação transformadora da psicoterapia, estranhando o novo comportamento de seu parente vão concentrar esforços no sentido de fazê-lo voltar a ser como antes ou, no mínimo, continuar se relacionando com a criança da mesma maneira como sempre fizeram.
Mesmo quando levam o tratamento até o fim, é muito comum à constatação não só do retorno, mas ainda, da intensificação de comportamentos inadequados.
Essas dificuldades no atendimento podem ser encontradas em outras áreas, relacionadas, ou não, com a psicoterapia. É o caso, por exemplo, de determinados especialistas como psiquiatras, neurologistas, endocrinologistas, fonoaudiólogas, as mais solicitadas, e determinados tratamentos de doenças que exigem cuidados e acompanhamento prolongado, como deficiência física, deficiência mental, bronquite e várias outras. Nos serviços de especialidades médicas que contam com o auxílio de serviço de psicologia, o procedimento mais comum é o paciente passar por uma triagem nesse serviço. O psicólogo identifica a patologia e procede ao encaminhamento para avaliação do especialista, o que implica nos mesmos problemas de espera e atrasos no atendimento com os conseqüentes prejuízos à saúde e ao desenvolvimento normal da criança. O tratamento de doenças crônicas encontra as mesmas dificuldades descritas a respeito do escolar, na obtenção de um progresso significativo: atitude pouco cooperativa dos familiares quanto ao desempenho de atividades que lhes são próprias, como estímulo ao paciente, assiduidade no comparecimento às consultas, aplicação correta da medicação prescrita, execução, em casa, de exercícios propostos, conforme as peculiaridades da patologia.
Estes exemplos nos dão uma amostra da excessiva demanda que essas instituições recebem, da diversidade e complexidade das queixas trazidas pela comunidade, e dos modelos atuais de atendimento. Essas queixas são classificadas assim como problema de saúde, problema social, para efeito de descrição, pois os problemas costumam estar associados de modo que a queixa de uma área específica repercute em outras. Problemas como alcoolismo, por exemplo, ou drogadicção, ou delinqüência, têm repercussões na área médica, na psicológica, no serviço social e na área jurídica. As dificuldades trazidas pela família, repetimos, apresentam múltiplas facetas, requerendo, a nosso ver, o concurso de várias especialidades: Serviço Social, assistência médica, assistência jurídica e, em especial, serviço psicológico, para resultar em um atendimento adequado e eficiente.

Em resumo, podemos constatar:

1. Que as Instituições mencionadas estão familiarizadas com uma gama muito variada de problemas pertinentes à sua comunidade;
2. Que, por não disporem de instrumentos adequados para fazer face a esses problemas, pouco mais lhes resta senão conviver com eles e se aterem aos serviços que lhes são próprios;
3. Que esses serviços ficam prejudicados por falta de uma participação mais efetiva da clientela no tratamento oferecido;
4. Que, por trás da queixa explicitada pelo paciente subjazem problemas de outra ordem, que são ocultados pelos familiares ou que nem mesmo são percebidos por eles;
5. Que esses problemas subjacentes são fatores que podem ter contribuído para o desencadeamento ou para a manutenção da patologia;
6. Que a demora no atendimento, especialmente na área psicológica, contribui para o agravamento não só do problema apresentado, mas de outros problemas a ele relacionados; e finalmente,
7. Que a psicoterapia individual baseada apenas no intrapsíquico nem sempre alcança os efeitos esperados, pois não atinge os problemas subjacentes à queixa apresentada.

Cabe, ainda, lembrar que a clientela dessas instituições é composta, em geral, por famílias pertencentes às classes sociais menos favorecidas e demandam por respostas objetivas para solução de problemas imediatos, necessitando de um atendimento que ajude a todos os seus membros a melhorar sua interação no seio familiar e no meio social, de modo a poderem prover o indispensável à sua subsistência, fazer face às vicissitudes que a vida lhes oferece e exercer suas prerrogativas de cidadãos. Para elas não faz sentido submeter-se a psicoterapias individuais e demoradas.


1. A TERAPIA FAMILIAR SISTÊMICA BREVE (TFSB)

Quando uma família procura uma Instituição buscando tratamento, apresentam um membro como ‘portador de problema’ e trazem uma queixa específica, mas na realidade toda a família está com problemas. Suas dificuldades se referem ao atendimento de necessidades imediatas de sobrevivência que são agravadas por uma falha de comunicação entre os membros do sistema familiar. Geralmente, os serviços de psicoterapia atendem somente o ‘paciente’ trazido pela família, enquanto os demais, permanecem com suas condutas habituais.
Assim sendo, consideramos não ter sentido, por exemplo, quando da ocorrência de violência doméstica contra uma criança exercida por algum membro do grupo familiar, tratar da criança isoladamente. Esse procedimento se limita a cuidar apenas do efeito do problema, no caso a vítima, deixando de lado as causas do mesmo que, muito provavelmente, sem uma intervenção abrangente, se perpetuaria. Está, muito provavelmente fadado ao fracasso, pois não interfere no ambiente onde essa criança vive, de modo que as situações tendem a se perpetuar.
Quer se trate de violência doméstica, de problema escolar, deficiência, seja física ou mental, ou ainda de outras áreas de especialidades que se expressem por meio de um sintoma, o mesmo precisa ser encarado como resultado de um fenômeno relacional, no seio familiar, sendo ele a manifestação de tal contexto.
O contexto desafiador sócio-cultural-afetivo, político e econômico, no qual inserem-se as famílias. Por ora, vamos nos ater a um dos seus aspectos basilares, o “...velho e questionável costume de separar e dividir tudo aquilo que nunca deveria ser separado para ser compreendido...” (Trillas, 2003)21 ,porque não acreditamos que ele possa apontar soluções de maior alcance.
Por isto defendemos a necessidade e a urgência de que o atendimento psicoterapêutico em Instituições possa atender a todos os envolvidos no problema e não apenas aquele apontado como o “portador do problema”. A nosso ver, a Terapia Familiar Sistêmica Breve é uma abordagem que traz inúmeras vantagens em termos de aplicação em Instituições, mas há três aspectos que consideramos essenciais:
a) a facilidade da aplicação.
b) o atendimento de todos os envolvidos no problema.
c) a rapidez na obtenção de resultados
A preocupação, agora, se volta para o como se conseguir que a Instituição possa contar com este serviço; como levá-la a tomar conhecimento desta abordagem e avaliar seus possíveis méritos e resolver o problema de como e onde ela encontrará profissionais qualificados para sua aplicação. Nosso trabalho foi dirigido no sentido de apontar uma alternativa para a solução imediata das duas primeiras dessas preocupações, e esta é a razão de ser do presente estudo.
Nossa proposta é estabelecer uma conexão entre a Universidade e a Instituição através da clínica-escola para aplicação da Terapia Familiar Sistêmica Breve com o concurso de estudantes estagiários do Curso de Psicologia.
A Terapia Familiar Sistêmica Breve considera a queixa da família sob uma perspectiva contextual, ou seja, que o indivíduo apresentado pela família como o “portador de problema” é a parte visível de um problema subjacente que afeta a toda a família.
Quando as Instituições puderem oferecer um atendimento terapêutico nesses moldes de maneira continuada e permanente, certamente haverá uma reviravolta nos procedimentos de todos os seus serviços, pois a comunidade será muito mais participante no próprio processo de atendimento. Consideremos um posto de saúde, por exemplo, ao atender uma criança asmática, o médico fará a prescrição da terapia que julgar indicada, a enfermeira dará as instruções sobre as formas mais adequadas de colocar em prática essa prescrição. Muitas vezes até mesmo o medicamento e outros recursos materiais são oferecidos ao paciente. Parece que este atendimento foi realizado à perfeição e, no entanto a criança não melhora e volta a procurar o posto e se fará tudo novamente, tudo igual, com os mesmos resultados. Em tais circunstâncias a Terapia Familiar Sistêmica Breve é de um valor inestimável, porque ela vai pesquisar a origem daquele sintoma e encorajar a família a se esmerar nos cuidados preconizados pelo serviço de saúde. Mas faz muito mais do que isso, como veremos nas linhas que se seguem.
A Terapia Familiar Sistêmica Breve é, sem dúvida, uma resposta às limitações impostas pelos tratamentos psicoterapêuticos tradicionais, marcados pela ênfase no intrapsíquico, pela longa duração e centrado no indivíduo. Ela contempla tanto os aspectos emocionais quanto os relacionais do problema, criando condições para que cada um dos componentes do grupo familiar perceba que também tem responsabilidade sobre ele. “Ah, é só sair uma briguinha em casa, seja com quem for, e o fulano já tem um ataque de asma”.
O terapeuta sistêmico seja qual for sua linha de abordagem (existem várias modalidades) entende que o sintoma seja um produto das múltiplas interações no seio familiar que promoveram a instalação do fenômeno. Em outras palavras, trata-se de uma abordagem pautada na compreensão de que comportamentos considerados inadequados ou desequilibrados que se expressam no “portador de problema” é na verdade a linguagem, por meio da qual, um subsistema comunica que algo não vai bem no sistema. O ataque de asma, do nosso exemplo, exerceria a função de interromper aquela situação de tensão familiar. Naturalmente o asmático não se apercebe disso (nem os outros familiares), do contrário não seria uma patologia.
A terapia sistêmica recebe esse nome porque toma os princípios da Teoria Geral dos Sistemas proposta por Ludwuig Von Bertalanffy (1947)3 para quem um sistema é “um complexo de elementos em interação”. Cada elemento constitui um subsistema. O sistema, por sua vez, está inserido em um contexto, é, portanto um elemento de um sistema maior, é um subsistema de um sistema maior. Por falarmos em sistema e subsistema familiar. No sistema familiar composto por pai, mãe, dois filhos e uma avó, temos várias possibilidades de composições dos elementos constitutivos ou subsistemas: o subsistema parental (pai e mãe), o subsistema marital (marido e mulher), o subsistema da prole (filhos), o sub-sistema da avó. Podemos imaginar que um dos filhos desenvolva uma forte aliança com a avó e determinadas atitudes sejam ancoradas nessa aliança. Temos aí um sub-sistema representado pela avó e um neto.
De acordo com Capra (1982)7 os chineses utilizam uma expressão muito sábia para se referir à “crise”: wei-ii, dois termos combinados que traduzidos significam perigo (wei) e oportunidade (ii). Se contextualizarmos a dimensão sutil da expressão, no âmbito da Terapia Familiar Sistêmica Breve, o perigo (wei), representado por um problema vivido como algo terrível, penoso, isolado, aparentemente insolúvel, centrado e personificado no portador de problema, quando abordado no contexto relacional familiar, pode se transformar em oportunidade (ii) de evolução de toda a família no momento em que cada um dos membros da família reconheça que o problema explícito encobre um ou mais problemas de relacionamento no seio da família. Os ataques de asma, por exemplo, podem estar encobrindo os problemas causados pelo alcoolismo do pai, as dificuldades de relacionamento do casal e assim por diante. É fácil imaginar inúmeras situações semelhantes.
Como dissemos antes a família é parte de um sistema maior, ou seja, ela é um subsistema com relação à sua rua, sua comunidade, bairro, município e assim por diante. Nesse contexto a Terapia Familiar Sistêmica Breve representa a possibilidade da criação de um espaço privilegiado de atuação saneadora no lugar onde havia mera conduta de informar, treinar e prescrever exercícios específicos. Ela é um instrumento eficaz para oferecer às famílias a oportunidade de assumir uma atitude positiva perante as dificuldades normais da existência humana e não precise procurar alívio colocando sobre um dos seus membros, embora não percebam, o pesado encargo de carregar o problema ou os problemas que pertence a todos. Dessa forma o problema passa da esfera individual para a social, do parcial para o geral (sistêmico), do intrapsíquico para o interelacional. Sob essa perspectiva seu emprego pode se tornar um verdadeiro instrumento de democratização do tratamento psicológico, pois existe a possibilidade de que o reflexo de seus resultados extrapole os limites da Instituição e vá, gradativamente atingindo outros segmentos sociais num movimento concêntrico e gradativo seguindo o curso da maior para a menor proximidade desses segmentos com a Instituição em pauta.
Atuar nesses espaços de sofrimento representa mais do que o preenchimento de uma lacuna deixada pelos moldes tradicionais de atendimento, um salto qualitativo na prestação de serviços por parte das Instituições, pois que além, de aliviar a dor reconstitui os laços afetivos, restabelece a comunicação saudável em família, promove a reorganização do sistema, amplia as oportunidades de experimentar uma vida mais plena e feliz.
Para descrever outro aspecto relevante no tocante à saúde pública preferimos fazer nossas as palavras de Sawaia (1996)19, quando ela afirma que: “...é importante para desfazer o mito de que pobre não tem sutilezas psicológicas e age como um rebanho tangido por determinações sociais e pela fome, como se os segredos da subjetividade fossem próprios das pessoas mais abastadas e intelectualizadas...” (Sawaia, 1996, p. 165). Assim sendo, e de acordo com o que já expusemos relativo ao fato da grande maioria da população que procura por tratamento nas Instituições, seja pública ou privada, ser carente, tanto afetiva, quanto economicamente, fica explicado, então, a importância de se extrapolar os limites do consultório particular, para o “consultório público”, popularizando a terapia realizando o atendimento no próprio seio das comunidades, no seu espaço, no seu ambiente.
Partimos do pressuposto que a Terapia Familiar Sistêmica Breve pode representar um avanço em termos sociais, uma vez que pretende interagir com as famílias que procuram o atendimento nas Instituições, uma vez que expressam o conceito de “sofrimento psicossocial”, que é entendido aqui de acordo com Sawaia (1996, p. 158)19 como “... sintoma de uma das carências mais profundas da modernidade: não saber conviver com a diferença, não reconhecer que nossa integridade depende da integridade alheia, permitindo que o conflito atinja o ponto de ameaçar a sobrevivência de todos.” , principalmente se atentarmos para o contexto histórico atual marcado pela divisão no seio da sociedade, pela crise geral de valores, pela perda de perspectivas, de referenciais e de auto-estima, pelas situações de abandono e miséria, todos ingredientes geradores de violência.
Uma observação se faz necessária, e novamente nos socorremos da habilidade de se expressar de Sawaia (1996, p. 165)19: “Outro alerta é necessário quando se introduz a dimensão ético-afetiva no estudo do processo saúde-doença. É preciso esclarecer que não se prioriza esta dimensão em detrimento das condições sociais e materiais. Simplesmente, considera-se que uma se transverte na outra, se transforma na outra e não existe sem a outra”.
Aqui podemos lembrar a concepção social de Sluzki (1997)20 , para quem os indivíduos pertencem a redes de relacionamento social. Assim teríamos a rede familiar, a rede formada por um tipo específico de interesse. Para usarmos um exemplo bastante próximo, citamos um aspecto do presente estudo. Ao estabelecermos um elo entre a Universidade e a Instituição constituímos uma rede social da qual nós mesma somos parte integrante. Para Sluzki (1997, p. 67) 20 a “...rede social afeta a saúde do indivíduo e a saúde do indivíduo afeta a rede social...” .
A família é um dos pilares de sustentação da rede social, por isso se

...coloca a necessidade de trabalhar a, na e com a comunidade, tornando-a um sistema relacional e um sentimento de pertencimento que se apresenta como forma de resistência contra a sociedade excludente, exploradora e competitiva. Dessa forma, seu eixo identificador é composto pela noção de solidariedade, cidadania e alteridade e pela utopia do aparecimento de comunidades sociais livres e plurais, onde os homens discutem autonomamente e elaboram projetos de forma a cada um participar do poder. (Sawaia, 1996, p. 166) 19.

Nossa experiência pessoal como especialista em terapia familiar fundamentada na teoria sistêmica e os bons resultados obtidos no estudo que realizamos aplicando a Terapia Familiar Sistêmica Breve realizada em clínica-escola por estudantes-estagiários do curso de Psicologia sob supervisão e elaboração de nossa dissertação de mestrado, posteriormente publicada (Piszezman, 1999)16, nos encorajou a empreender um aprofundamento desse estudo estendendo sua aplicação a outros tipos de Instituição. Naquela oportunidade já prevíamos a possibilidade desse avanço, porém, por questões de ordem técnica e operacional optamos por reservar esse trabalho para ocasião mais propícia (Piszezman, 2004)13.
Esta proposta se baseia na experiência de ensino em Terapia Familiar Sistêmica Breve bem sucedida, razão pela qual foi aberta para a comunidade. No que diz respeito ao Centro Universitário de Santo André – Uni-a já se mostra eficiente. A Triagem, por exemplo, ao invés de encaminhar certos casos para o Psicodiagnóstico, já encaminha, para a Terapia Familiar Sistêmica Breve, da mesma forma o Psicodiagnóstico, ao detectar um problema familiar que está relacionado com o paciente faz o encaminhamento direto, também, procedem dessa maneira os núcleos de Grupos e o de Terapia Individual e até mesmo outras Faculdades como é o caso da Faculdade de Pedagogia, que encaminha famílias cujos filhos apresentam dificuldades no processo de aprendizagem e da Faculdade de Enfermagem, cujos estagiários que fazem atendimentos hospitalares, quando percebem a necessidade de um tratamento familiar, faz a indicação.
Somos Supervisora de estágio há mais de 22 anos e há 13 anos começamos a praticar a terapia sistêmica com nossos estagiários. Nosso foco é dirigido, sempre, para a qualidade do atendimento, ou seja, para os resultados alcançados pelas famílias traduzidos na aquisição de competências para um viver mais harmonioso e pleno tanto no seio da família quanto desta em seu meio ambiente, em seu contexto social. Assim, nossa preocupação com a epistemologia dirige-se, mais, àqueles aspectos funcionais; nossa atenção se volta para as inovações técnicas apresentadas por terapeutas como, por exemplo, Adalberto Barreto, no Ceará, de Andersen na Noruega, Salvador Minuchin nos Estados Unidos, entre outros.
Aspectos significativos do atendimento tais como mobilizações da família ou da equipe terapêutica, as ressonâncias da equipe terapêutica, as narrativas, escapavam ao poder descritivo do modelo de atendimento que tínhamos adotado: elementos do Modelo Estratégico e do Modelo Estrutural (Piszezman,1999)13.
Percebemos que as interações presentes no processo terapêutico transcendiam as orientações do modelo, destinados, em última instância, a um papel mais de propulsor, de ponto de partida para as manifestações que se iam sucedendo e que não dispúnhamos de um instrumento que nos permitisse não só uma descrição mais condizente com os fatos observados, mas, sobretudo, uma melhor compreensão da riqueza de experiências resultante da multiplicidade de situações que o atendimento proporcionou a todos os envolvidos no processo: famílias, terapeutas e supervisor. A partir dessa constatação pusemo-nos à busca de um aprofundamento de nosso embasamento teórico e obtivemos como resultado, diria mesmo como recompensa, mais que a possibilidade de descrever as múltiplas facetas do atendimento, uma compreensão profunda do processo terapêutico, agora estabelecido.
Os terapeutas sistêmicos estão de tal ordem, familiarizados com as noções de circularidade e subjetividade que explicitá-las poderá lhes parecer um exercício de obviedade. Contudo, para deixar bem assentes as bases epistemológicas pelas quais nos orientamos, julgamos oportuno lembrar que até muito recentemente, e ainda hoje, muitos terapeutas concebem o mundo como uma realidade objetiva que pode ser apreendida, analisada e mensurada por um sujeito cognoscente.
Essa maneira de ver o mundo proposta pelo positivismo preconiza uma situação de causa e efeito que se dá linearmente: uma causa originará sempre uma conseqüência, que será sempre única e, necessariamente, a mesma. O método de abordagem do objeto proposto pelo positivismo é o método empirista cujo instrumento é a experimentação, ou seja, a realidade pode ser apreendida tal qual é. Ao observador competente, cabe tão somente, utilizar as formas e os instrumentos adequados de pesquisa para lograr êxito em sua pesquisa. Para que a experiência seja julgada bem sucedida, é necessário que, não importa quantas vezes se repita os mesmos resultados sejam obtidos. Outros pesquisadores, ao repetirem a experiência, deverão também, obter sempre os mesmos resultados descritos pelo primeiro. É o princípio da verdade única, oriunda da construção de um sistema de conceitos capaz de representar o mundo tal qual ele é e que traz em seu bojo a assunção de que, por intermédio da observação neutra da realidade seríamos capazes de alcançar a própria essência das coisas, o núcleo de todos os objetos e saber o que de fato eles são em si mesmos. Esta concepção de mundo pressupõe um pesquisador neutro com relação à realidade, isto é, que pode olhar objetivamente a realidade sem que seus valores pessoais ofereçam qualquer oportunidade de interferência na análise do fenômeno estudado. Segundo a visão experimentalista quando uma experiência não alcança a verdade, por certo, a causa está na inadequação, ou da abordagem ou dos instrumentos utilizados.
Nossa proposta de trabalho significa uma ruptura com o positivismo tanto da perspectiva epistemológica como, conseqüentemente, do processo terapêutico onde prática e teoria se entrelaçam e ocorrem simultaneamente. Isso significa que o terapeuta investiga ao mesmo tempo em que atua com a família. Não há lugar para a atitude de se reservar um momento para a reflexão e outro para a prática, como nas epistemologias tradicionais. Rey (1997)18 propõe o nome de epistemologia qualitativa a este procedimento que trata a teoria como um processo contínuo de produção de conhecimento.
A Terapia Familiar Sistêmica Breve não é uma criação nossa. Ela foi instituída pela Mental Research Institute, conhecido pela sigla MRI, localizado em Palo Alto, Califórnia, nos Estados Unidos. Nossa contribuição foi criar um modelo simplificado que pudesse ser assimilado e posto em prática pelos estagiários do Curso de Psicologia Clínica, no decorrer de um semestre letivo.
No modelo de Terapia Familiar Sistêmica Breve a entrevista terapêutica prescinde de avaliação psicológica prévia, pois ela é uma entrevista interventiva, ou seja, é ao mesmo tempo um diagnóstico e uma intervenção. Além disso, a Terapia Familiar Sistêmica Breve pode ser desenvolvida em cerca de 10 sessões, com freqüência semanal, distribuídas num período que varia de três a quatro meses. Assim, as famílias que procuram pelos serviços públicos podem ser prontamente atendidas.
O modelo que utilizamos prevê o atendimento por uma equipe terapêutica colaborativa formada por três terapeutas, dois encarregados das intervenções e um encarregado de gravar as sessões em fita K7. Essas equipes podem ser preparadas muito rapidamente, pois não se aprende terapia familiar lendo ou ouvindo sobre ela, mas praticando intervenções sob a supervisão de um terapeuta experiente. Assim, após um breve período de estudo dos princípios da Teoria Familiar Sistêmica e simulações de atendimento, teoria e prática passam a caminhar juntas, com a aplicação de técnicas apropriadas que proporcionam oportunidade de mudanças no sistema familiar.
Em palestras, cursos e seminários de que temos participado, ou mesmo em conversas informais sobre o conceito de interação familiar com os profissionais mencionados (médicos, assistentes sociais, educadores, religiosos, entre outros) notamos o despertar de um grande interesse na aquisição do conhecimento dessa nova maneira de ver o problema.
A implantação da Terapia Familiar Sistêmica Breve nessas Instituições certamente seria uma contribuição inestimável para os esforços de transformação social. Sua disseminação se constitui em verdadeira política de saúde mental, pois nestes tempos marcados pela violência, por dificuldades econômicas e pelo liberalismo a família já não dispõe de parâmetros seguros por onde possa se pautar, tanto no seu relacionamento interno como com seus vizinhos. O alcance da intervenção em termos de mudanças de comportamento, a rapidez com que esses resultados são obtidos e a sua abrangência poderia beneficiar comunidades inteiras em breve espaço de tempo.
Estamos convencida de que um investimento na preparação das equipes terapêuticas dessas Instituições seria muito vantajoso, não só para as comunidades como para as próprias Instituições, sejam públicas ou privadas. As públicas se beneficiariam com a eficácia do atendimento e com a economia de tempo e poderiam suportar com menos desgastes às pressões exercidas pela volumosa demanda. As privadas, pelos mesmos motivos, teriam sua imagem melhorada perante sua clientela. O aprendizado de novas formas de relacionamento familiar já seria um fator muito vantajoso para a família mesmo nos casos em que não se trata de psicoterapia, como os tratamentos neurológicos, psiquiátricos entre outros, porque a equipe da Instituição passaria a interagir com a família de uma maneira mais positiva, comprometida e interativa, evitando sentimentos protecionistas ou acusatórios para com o paciente, por compreender que a família como um todo necessita de orientação quanto à maneira de compreender o problema e lidar com ele.
Assim, a disseminação da Terapia Familiar Sistêmica Breve no seio da coletividade nos possibilitaria encontrar novas soluções para os mesmos e velhos problemas perpetuados através das gerações e para os quais a ciência tradicional não tem dado conta de responder.

REFERÊNCIAS

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20 SLUZKI, C. E. A rede social na prática sistêmica: alternativas terapêuticas. (Claudia Berliner, Trad.). São Paulo: Casa do Psicólogo. 1997.
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quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Texto Profª Esp. Janete Angelino de Oliveira



A Biodança como meio de inclusão da pessoa na terceira idade.

Acontece na última fase da vida uma importante mudança e uma profunda transformação de atitude, observa-se nesse período uma solicitação de dois movimentos, o mais natural é o movimento de "ir para dentro". O próprio corpo obedece a essa necessidade e é inevitável a vivência do declínio. O corpo fica arqueado, como se tivesse tentando olhar para dentro, vivenciando o silêncio, a ordem e a contemplação, tentando olhar para trás para construir uma imagem da própria vida e perceber a somatória das experiências vividas, ressignificando e constatando que aquilo que parecia tão importante já não é mais e, aquilo que nem imaginávamos existir agora é o de maior valor.
Há uma convocação, nesse período, para sermos nós mesmos, e não podemos nos lamentar do nosso passado, pois tudo parece fazer sentido quando olhamos retrospectivamente para nossa história, a sensação é de que nossa vida é algo que tinha de ser como foi. A vivência de ir para o centro, isto é, de voltar-se para o vida interior, estabece a conexão e a familiaridade com a alma. Estamos começando a nos conscientizar que nos afastamos da alma e perdemos o sentido da existência, do significado e dos valores interiores. E sabemos que, o que nos possibilita a busca da alma e que nos ajuda a rever e ressignificar nossa história é o feminino. É através do feminino que desenvolvemos a afetividade e a transcendência, isto é, que somos tocados pelo amor e o poder de olhar o processo existencial como um todo.
Resgatar o feminimo na pessoa do idoso é ativar os recursos necessários para a transformação que ainda ocorre na 3ª idade. Existe o chamado para isso, caso não ocorra, inevitávelmente, sofreremos.
O outro movimento é a solicitação de "ir para fora" e conservar a vitalidade, a sexualidade e a criatividade, participar de grupos onde vivenciamos a colaboração, a cooperação, a conversação, a intimidade, a reflexão sobre os condicionamentos e a capacidade de tocar no corpo do outro, de olhar e ouvir.
A vivência da Biodança na 3ª idade facilita e promove tanto a volta para o interior, como a expressão e comunicação para o mundo exterior. A Biodança como forma de expressão ligada ao corpo e como processo de transformação pode colaborar no resgate da alma feminina, pois é um instrumento facilitador do desenvolvimento das etapas do feminino, tanto nas mulheres como nos homens.
O trabalho de Biodança é uma vivência que ativa o desenvolvimento do potencial humano, o contato consigo mesma, com o outro, com o grupo e com o cosmo. É um sistema que favorece a integração de todas as linhas vitais,que são: a vitalidade, a sexualidade, a criatividade, a afetividade e a transcendência. E através destes aspectos ativados,estabelece a saúde física, psíquica e espiritual.
Favorece a revitalização e novas formas de movimentar energias na psique do idoso. É a oportunidade de reconhecermos os atributos femininos através da dança. Essas "mulheres" de nosso interior, que pedem para ocupar seu lugar, são convocadas a serem reconhecidas e se instalarem na nossa consciência.
A conscientização das etapas do feminino auxilia a integração das linhas vitais que a Biodança propõe. As "mulheres" da nossa psique que correspondem as etapas do feminino são: Afrodite, Helena, Maria e Sofia e seus atributos respectivamente são: "Aquela que tem prazer, alegria, vitalidade e sensualidade"; "Aquela que sabe o que quer e é senhora de si mesma com criatividade e sensualidade"; "Aquela que sabe expressar seus afetos"; e "Aquela que aceita as coisas como elas são e tem uma conexão com o universo".
A música encoraja e ativa a presença dos aspectos de cada "Deusa", trazendo para a consciência seus atributos, pois a música e a dança movimenta e literta as potencialidades adormecidas.
Rolando Toro criador da Biodança nos ensina que "... podemos incluir em nossas atividades a musicalidade. Caminhar com música, mexer-se, acariciar, amar...Despertar em nós a musicalidade corporal não se trata só de ouvir música, mas de "fazê-la: de mover-se dentro dela e tranformar-se na própria música".


Referências bibliográficas:

HILLMAN, J. A Força do caráter - e a poética de uma vida longa, Rio de Janeiro: Objetivo, 2001.
TORO, R. Biodanza. São Paulo: Olavobrás, 2002.

Profª Esp. Janete Angelino de Oliveira – Psicodramatista, Especialista em Bio-dança. Psicoterapeuta em Santo André.