quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Texto Profª Ms Cláudia Oshiro


A relação terapêutica como mecanismo de mudança: uma introdução

O presente trabalho tem como objetivo introduzir o tema “relação terapêutica como mecanismo de mudança” e apontar a relevância da relação terapêutica no processo de mudança clínica de clientes com transtorno de personalidade borderline. Para isso, faz-se necessário retomar brevemente algumas questões que norteiam a Terapia Analítico-comportamental. Também será discutida brevemente a definição de transtorno de personalidade de acordo com os pressupostos do Behaviorismo Radical. Por fim, a Psicoterapia Analítica Funcional (Functional Analytic Psychotherapy – FAP) será apresentada.

A terapia analítico-comportamental
A análise do comportamento tem como base uma filosofia, o Behaviorismo Radical, que se exercita através de uma interpretação de dados obtidos pela investigação sistemática do comportamento (Análise Experimental do Comportamento). Esta interpretação enfatiza a descrição de relações funcionais entre comportamento e ambiente (isto é, relações entre descrições de ações dos organismos e descrições das condições em que essas ações ocorrem). Não busca explicações realistas ou de causa-efeito, e sim relações funcionais ou leis que expressem seqüências regulares de eventos (Matos, 1997).
Desta forma, a metodologia maximiza a habilidade para entender (prever) e mudar (controlar) comportamento (Skinner, 1953).
Segundo Matos (1997), o behaviorista radical propõe que existam dois tipos de transações entre o organismo e o ambiente: a) conseqüências seletivas, que ocorrem após um comportamento e que modificam a probabilidade futura de ocorrerem comportamentos equivalentes, isto é, da mesma classe; b) contextos que estabelecem a ocasião para o comportamento ser afetado por essas conseqüências e que igualmente afetariam a probabilidade futura de ocorrência de comportamentos equivalentes.
Essas duas classes possíveis de interações são denominadas “contingências” e constituem as duas classes conceituais fundamentais para o trabalho de descrição e análise do comportamento para o behaviorista radical (Matos, 1997). Relações funcionais são estabelecidas na medida em que registramos mudanças na probabilidade de ocorrência dos comportamentos que procuramos entender, em relação a mudanças quer nas conseqüências, quer nos contextos, quer em ambos (Matos, 1997, 1999).
No que diz respeito à prática clínica, podemos considerar, de acordo com Neno (2003), que a denominação terapia analítico-comportamental refere-se à prática clínica baseada nos fundamentos do behaviorismo radical e na análise de contingências. Esta denominação é útil para diferenciar a prática realizada pelos diversos terapeutas que se intitulam terapeutas comportamentais, como os terapeutas cognitivos, cognitivo-comportamentais, analítico-comportamentais que diferem em seus princípios e supostos filosóficos. A mesma autora afirma que “o que se pretende com esse termo é designar a terapia verbal baseada na análise do comportamento”.
Segundo Meyer (2003), analisar as contingências implica em identificar e descrever condições ambientais antecedentes e conseqüentes ao comportamento de interesse. Meyer (2003), Follete e cols. (1996) e Sturmey (1996) apontam que os principais focos para a realização de uma análise de contingências são: identificar o comportamento alvo, suas propriedades tais como freqüência e duração, e identificar as relações entre as variáveis ambientais e o comportamento, ou seja, observar a ocasião em que a resposta ocorre, e quais as conseqüências reforçadoras que mantém esta resposta, para em seguida propor uma intervenção. É a partir disso que o terapeuta pode selecionar a intervenção adequada, monitorar o progresso ao longo do tratamento e avaliar a efetividade da intervenção (Follete, Naugle & Linnerooth, 2000). De acordo com Neno (2003), a análise dessas relações funcionais compõe o modelo explicativo e de interpretação da análise do comportamento.

O conceito de personalidade sob a perspectiva da Análise do Comportamento
Em Ciência e Comportamento Humano, Skinner (1953) aponta que os termos “personalidade” ou “eu” dentro de uma perspectiva da análise do comportamento devem ser entendidos de outra maneira. Segundo ele, considerando uma definição mais usual,
“O eu é mais comumente usado como uma causa hipotética de ação... sua função é atribuída a um agente originador dentro do organismo. Se não podemos mostrar o que é responsável pelo comportamento do homem dizemos que ele mesmo é responsável pelo comportamento... O organismo se comporta, enquanto o eu inicia ou dirige o comportamento.
Além disso, mais do que um eu é necessário para explicar o comportamento de um organismo... A personalidade, como o eu, é considerada responsável pelas características do comportamento” (p.271).
Como alternativa Skinner (1953) sugere que,
“o eu é simplesmente um artifício para representar um sistema de respostas funcionalmente unificado... Um eu pode se referir a um modo de ação comum... Em uma mesma pele encontramos o homem de ação e o sonhador, o solitário e o de espírito social... Por outro lado uma personalidade pode se restringir a um tipo particular de ocasião – quando um sistema de respostas se organiza ao redor de um dado estímulo discriminativo. Tipos de comportamento que são eficazes ao conseguir reforço em uma ocasião A, são mantidos juntos e distintos daqueles eficazes na ocasião B. Então a personalidade de alguém no seio da família pode ser bem diferente da personalidade na presença de amigos íntimos. (p. 273).
Desta forma, a visão comportamental do conceito de personalidade é muito diferente de propostas de outras abordagens teóricas. Segundo Skinner (1953), não há a existência de um eu que é responsável pela ocorrência de comportamentos. Há a rejeição de um “eu” iniciador que dirige a ação. Um eu ou uma personalidade é, na melhor das hipóteses, um repertório de comportamento partilhado por um conjunto organizado de contingências (Skinner, 1974). Assim, o conceito de personalidade pode ser compreendido, sob os pressupostos do behaviorismo radical, como um conjunto de comportamentos aprendidos pela pessoa, ou seja, como o repertório comportamental de cada um. Esse repertório é multideterminado e sofre influências dos três níveis de seleção apontados por Skinner (1953): a filogênese, a ontogênese e a cultura.
Para uma descrição topográfica (DSM-IV, 1994), o indivíduo que apresenta características de transtorno de personalidade tem um padrão duradouro e rígido de experiência interna e comportamento que desvia marcantemente das expectativas da cultura do indivíduo. Este padrão manifesta-se em pelo menos duas das seguintes áreas: a. cognição (formas de perceber e interpretar a si mesmo, outras pessoas e eventos); b. afetividade (variedade, intensidade, labilidade da resposta emocional e o quanto ela é apropriada ou não); c. relacionamentos interpessoais; 4. controle de impulsos.

A relação terapêutica como mecanismo de mudança clínica
Terapeutas e pesquisadores preocupados em investigar como as mudanças em psicoterapia aconteciam começaram a estudar a relação terapêutica, que foi considerada uma variável importante na produção dessas mudanças (Vermes, Zamignani & Kovac, 2007). Assim, uma atenção especial foi dada à qualidade da interação estabelecida entre cliente e terapeuta (Meyer e Vermes 2001).
Desde então, a relação terapêutica tem sido considerada uma das variáveis mais importantes para a produção de mudanças no comportamento do cliente. De acordo com Meyer e Vermes (2001), o processo de mudança se dá sob dois conjuntos de variáveis: de um lado estão as técnicas e habilidades do terapeuta e de outro a natureza da relação terapêutica que ele estabelece com o cliente. De acordo com esses autores, a relação terapêutica é um tipo especial de interação social na qual um dos indivíduos busca ajuda para melhorar as contingências de sua vida e o outro possui, em seu repertório, uma gama de estratégias de análise e intervenção que podem contribuir para a ajuda requisitada. Terapeuta e cliente são falantes e ouvintes em uma série de episódios verbais a partir dos quais ocorre um constante processo de modelagem no repertório de comportamentos de ambos os participantes (Meyer & Vermes, 2001).
Zamignani (2007) aponta que o desenvolvimento dessa relação depende de muitas variáveis que vão desde características físicas e estilos de relacionamento interpessoal de cada um dos participantes, até os momentos escolhidos pelo terapeuta ao longo do processo para apresentar determinadas verbalizações, tom de voz, expressão facial que ele utiliza para a emissão da resposta verbal.
Uma condição para que o terapeuta seja bem sucedido nas suas intervenções é o que Skinner (1953) chamou de “audiência não-punitiva”, sendo esta a principal característica da relação terapêutica. De acordo com o autor, as agências de controle (o governo, a religião, a educação e o controle econômico) oferecem, freqüentemente, estimulação aversiva aos membros da sociedade. Geralmente, os clientes que procuram terapia se encontram em situações aversivas e buscam obter uma supressão dos efeitos dessa estimulação. O terapeuta se comportando com uma audiência não-punitiva pode ser um agente reforçador e oferecer conseqüências reforçadoras a respostas emitidas pelo cliente durante a sessão para a modelagem de repertório, além de dar condições para uma maior adesão aos procedimentos propostos. O terapeuta acaba facilitando o relato de temas e comportamentos que foram punidos no ambiente natural do cliente. Em contrapartida, se houver estimulação aversiva nas sessões de terapia, respostas improdutivas para o processo terapêutico podem aparecer, como por exemplo, respostas de esquiva da terapia ou do terapeuta, respostas agressivas e de fuga e esquiva (Kohlenberg & Tsai, 2001).
Assim, a relação terapêutica passa a ser uma base para o terapeuta se estabelecer como audiência não-punitiva, criando condições para o desenvolvimento do trabalho clínico.

A Psicoterapia Analítica Funcional (Functional Analytic Psychotherapy – FAP)
Uma das principais características do Transtorno de Personalidade Borderline refere-se à instabilidade e intensidade dos relacionamentos e em alguns casos, observa-se uma esquiva de intimidade. A FAP enfatiza os problemas interpessoais e, segundo Kohlenberg e Tsai (2001), essa forma de terapia enfocaria justamente as variáveis da relação terapêutica como instrumentos de mudança comportamental.
De acordo com esses autores,
“(...) tudo que um terapeuta pode fazer para auxiliar os clientes ocorre durante a sessão. Para o behaviorismo radical, as ações do terapeuta afetam o cliente através de três funções de estímulo: 1) discriminativa, 2) eliciadora e 3) reforçadora” (p.19). “Ao assumirmos que (1) o único modo do terapeuta ajudar o cliente é por meio das funções reforçadoras, discriminativas e eliciadoras das ações do terapeuta, e que (2) estas funções de estímulo no decorrer da sessão exercerão seus maiores efeitos sobre o comportamento do cliente que ocorrer na próxima sessão, então a principal característica de um problema que poderia ser alvo da FAP é que ele ocorra durante a sessão. Além disso, os progressos do cliente também deverão ocorrer durante a sessão e serem naturalmente reforçados pelos reforçadores existentes na sessão. O mais importante é que os reforçadores sejam as ações e reações do terapeuta em relação ao cliente” (p.20).
Dessa forma, o indivíduo se comporta em relação ao terapeuta da mesma forma que o faz no seu cotidiano com outras pessoas, ou seja, esses ambientes poderiam ser funcionalmente idênticos. Portanto, se um deles for alterado, essa mudança também se generalizará para os demais ambientes (Kohlenberg & Tsai, 1991/2001; Follete, Naugle, Callaghan, 1996).
Segundo Kohlenberg e Tsai (1991/2001), os efeitos da psicoterapia são maiores se os comportamentos problemas do cliente e suas melhoras ocorrerem na sessão de terapia, uma vez que, ao longo da sessão, terapeuta e cliente estão se comportando e um interferindo no comportamento do outro.
Os comportamentos do cliente podem ser agrupados em problemas (CCRs1), progressos (CCRs2) e interpretações (CCRs3). Os CCRs1 apareceriam em alta freqüência no inicio da terapia e deveriam diminuir de freqüência ao longo do processo. Os CCRs2 seriam os comportamentos que deveriam aumentar de freqüência e intensidade ao longo da terapia.

Conclusão
O presente texto teve como objetivo apresentar brevemente a importância da relação terapêutica no processo de mudança clínica. Assim, alguns princípios, conceitos, temas foram brevemente retomados e a Psicoterapia Analítica Funcional pode ser apontada como uma forma eficaz de terapia na qual dificuldades de relacionamentos interpessoais são centrais. E, segundo a literatura clínica, uma relação terapêutica satisfatória se mostra preditiva de bons resultados, inclusive com clientes que são considerados “difíceis”. Isso permite pensarmos em prognósticos favoráveis para clientes com transtornos de personalidade.
Este texto não tem a pretensão de aprofundar todas as questões discutidas, sendo apenas uma tentativa de fazer com que os terapeutas comportamentais se atentem a relação terapêutica como uma variável fundamental no processo de mudança clínica.

Palavras-chaves: relação terapêutica, psicoterapia analítica funcional, estudo de caso.

Referências
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Follette, W. C.; Naugle, A. E.; Callaghan, G. M. (1996). A radical behavioral understanding of the therapeutic relationship in effecting change. Behavior Therapy, 27, 623-641.
Follette, W. C.; Naugle, A. E.; Linnerooth, P. J. N. (2000). Functional alternatives to traditional assessment and diagnosis. In M. J. Dougher, Clinical Behavior Analysis (pp. 99-125). Reno: Context Press.
Kohlenberg,R. J. & Tsai, M.(2001).Psicoterapia Analítica Funcional:criando relações terapêuticas intensas e curativas.Santo André:ESETec .
Matos, M. A. (1997). O Behaviorismo metodológico e suas relações com o mentalismo e o behaviorismo radical. Sobre Comportamento e Cognição: aspectos teóricos, metodológicos e de formação em análise do comportamento e terapia cognitivista, vol. 1, 54-67. Santo André: Arbytes.
Matos, M. A. (1999). Análise funcional do comportamento. Estudos de Psicologia. Vol. 16, n. 3, pp. 8-18.
Meyer, S. B. (2003). Análise funcional do comportamento. Em: Costa, C. E.; Luzia, J. C.; Sant’anna, H. H. N. Primeiros passos em análise do comportamento e cognição. Santo André: ESETec, 75-91.
Meyer, S. B., & Vermes, J. S. (2001). Relação terapêutica. Em B. Rangé (Org.). Psicoterapias cognitivo-comportamentais: um diálogo com a psiquiatria, pp. 101-110. Porto Alegre: Artmed.
Neno, S. (2003). Análise funcional: Definição e aplicação na terapia analítico-comportamental. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva. V.2, 151-165.
Skinner, B. F. (1953). Science and human behavior. Nova York: Macmillan.
Skinner, B. F. (1974). About behaviorism. New York: A. Knopf.
Sturmey, P. (1996). Functional analysis in clinical psychology. Chichester: John Wiley & Sons.
Vermes, J. S., Zamignani, D. R., & Kovac, R. (2007). A relação terapêutica no atendimento clínico em ambiente extraconsultório. Em D. R. Zamignani, R. Kovac e J. S. Vermes (Orgs.), A clínica de portas abertas: experiências e fundamentação do acompanhamento terapêutico e da prática clínica em ambiente extraconsultório. São Paulo: Esetec.
Zamignani, D. R. (2007). O desenvolvimento de um sistema multidimensional para a caracterização de comportamentos na interação terapêutica. Tese de doutorado. São Paulo: Universidade de São Paulo.

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